15 março 2010

Dez perguntas para... Adolfo Lona

O enólogo em sua produtora. Na taça (provavelmente) seu brut rosé, elaborado pelo método charmat, a partir das variedades pinot noir e chardonnay.
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Essa é a terceira entrevista que publico no blog. O convidado, que gentilmente aceitou responder as perguntas que enviei, é argentino de nascimento, mas já fala com um certo sotaque gaúcho! Desde 1973 no Brasil, Adolfo Alberto Lona trabalhou na Bacardi-Martini e desde 2004 tem sua própria produtora de vinhos e espumantes, na cidade de Garibaldi (visite). É autor do livro "Vinhos e espumantes: degustação, elaboração e serviço".
Estive com ele em outubro de 2008 e foi uma visita muito agradável. Ele presenteou a mim e minha esposa com uma das últimas três garrafas de seu espumante 30 meses. Atualmente também está ligado ao projeto da jovem Vinícola Peruzzo, sediada em Bagé, na Campanha Gaúcha. Quem for a Garibaldi não pode deixar de visitar a produtora e, se der um pouquinho de sorte, encontrar com Adolfo Lona por lá. Certamente será uma aula.
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VPT - Você está no Brasil há mais de 35 anos. Qual a grande mudança que vivenciou na vitivinicultura nacional?
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Foram 37 anos de maravilhosas experiências vivenciando as mudanças, avanços e retrocessos da vitivinicultura no Brasil.
Mudança no perfil das empresas produtoras: a década de setenta foi pródiga em mudanças por conta da chegada das empresas internacionais como Chandon, Maison Forestier, Martini e Rossi e Heublein que aportaram recursos para importação de mudas certificadas de variedades importantes como Merlot, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Chardonnay, Semillón que rapidamente foram adaptadas nas propriedades dos produtores rurais. Aportaram novidades fundamentais como as caixas plásticas de 18 quilos para colher e transportar as uvas, que pode parecer pouco importante, mas foram fundamentais para a melhora da sanidade das uvas; introdução das prensas pneumáticas que permitiram aperfeiçoar a fase de extração do suco na elaboração de vinhos brancos; introdução de sistemas automáticos de controle de temperatura de fermentação que além de liberar o enólogo para tarefas mais importantes, aportou precisão ao controle; substituição das pipas de madeira de pinho por tanques de aço inoxidável e finalmente a importação de barricas de carvalho para elaborar vinhos tintos de qualidade.
A etapa das empresas internacionais, que acabou definitivamente com a saída da Martini em 2005, foi um marco divisor.
Já em fins dos anos noventa o surgimento das cantinas familiares como Valduga, Miolo, Pizzato, Carraro e outras trouxe a força do eno-turismo (tábua de salvação para muitas delas ante a concorrência dos vinhos do Mercosul), o charme da produção familiar, artesanal, integrada, através dos quais se aportou valor ao vinho nacional.
Novas regiões produtoras: com a impossibilidade de aumentar as áreas da Serra, na grande maioria nas mãos de pequenos produtores, algumas vinícolas iniciaram empreendimentos fora dela. Por tal iniciativa surgiram regiões muito boas como Bagé, Candiota, Encruzilhada do Sul, Livramento, Pinheiro Machado e Dom Pedrito nas quais é possível implantar vinhedos de áreas relativamente grandes e onde o clima chuvoso faz menos danos devido à geografia menos acidentada e aos constantes ventos. Os vinhos destas regiões enriquecem a oferta de produtos nacionais.
Viticultura: infelizmente o Brasil ainda tem muito a trabalhar neste quesito, em especial na Serra, onde os excessos de produção impedem obter matéria prima superior. O sistema de remuneração das uvas não estimula o produtos que apela para a produção para evitar maiores prejuízos. Nas novas regiões onde os empreendimentos são feitos por empresas, o controle de produção já é uma realidade.
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VPT - Sua história está muito ligada à produção de espumantes na Serra Gaúcha. Que fatores o produtor leva em consideração quando opta por elaborar os espumantes pelo método tradicional ou pelo método charmat?.
O método tradicional permite obter espumantes a níveis qualitativos comparáveis aos melhores do mundo desde que sejam respeitados os tempos mínimos do ciclo de produção, nunca inferiores a doze meses. Os nossos têm ciclo de dezoito meses. Isto é caro e por isso os preços superiores e os volumes menores. Já o método charmat permite elaborar espumantes mais frescos e ligeiros, ideais para o dia-a-dia, com preço mais competitivo e uma resposta mais rápida em volumes. O produtor deve decidir antes em que mercado quer atuar, os investimentos que está disposto a fazer e as condições técnicas que tem para produzir espumantes da maior qualidade possível. Um fator importante é o tipo de investimento que cada método exige: o charmat exige investimentos altos em equipamentos e o tradicional exige um investimento menor em recursos, mas maior em tempo de retorno.
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VPT - O tinto que elabora em sua vinícola é um corte de merlot e cabernet sauvignon, ainda da safra 2004. Você desistiu de elaborar vinhos tintos?.
Por enquanto sim. Decidimos centralizar nossos esforços na produção e comercialização de espumantes por duas questões: melhores uvas na região e melhores perspectivas comerciais. O mercado cresce constantemente e o que é mais importante com bom valor agregado.
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VPT - Os monovarietais dominam o mercado brasileiro de vinhos tranquilos, tanto na produção nacional quanto na escolha dos importados. O brasileiro é preconceituoso em relação aos cortes?
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É um equívoco pensar que os vinhos varietais são todos monovarietais. A lei exige pelo menos 75% da variedade declarada e por tal razão muitos destes vinhos são cortes onde predomina a variedade declarada, mas é complementada por outra. Todos os enólogos sabem o belo casamento de Cabernet Sauvignon com uma parcela menor do Merlot. Apesar disto já há no mercado vinhos bi-varietais, mas penso que o consumidor ainda prefere os que citam somente uma variedade. Creio que é próprio dos mercados mais novos, onde o consumidor tem ainda muitas dúvidas e insegurança ao adquirir seus vinhos.
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VPT - Fale-nos um pouco mais do projeto da Vinícola Peruzzo. .
A família Peruzzo, que realiza empreendimentos nas áreas de supermercados e combustíveis em Bagé, ao sul do estado do RS, decidiu em 2005 iniciar um projeto de vinhedos e cantina integrado. Fui contratado como consultor e tive o prazer de realizar um projeto completo no qual estava previsto construir uma pequena cantina de 100.000 litros com todos os recursos necessários para elaborar vinhos e espumantes de alta qualidade. A região permite obter uvas excelentes. Para ter uma ideia as uvas atingem de forma natural teores alcoólicos superiores a 12% e em anos secos superiores a 13%. Todo o projeto está sendo seguido conforme planejado, acompanhado e dirigido por Éder Peruzzo, engenheiro agrônomo que será num futuro próximo um excelente enólogo. Trabalhar com a família Peruzzo tem sido um privilágio pela dedicação e apoio que prestam ao projeto. É um projeto integrado, planejado nos mínimos detalhes para produzir uvas e vinhos de qualidade seguindo conforme alguns princípios como: produzir 2 quilos por pé; somente elaborar uvas dos próprios vinhedos; praticar a poda verde, o raleio e o desfolhe para atingir a total maturação fenólica das uvas tintas; selecionar manualmente os cachos antes de processá-los; elaborar os vinhos ao ritmo da maturação das uvas e da capacidade operacional ideal da cantina; elaborar espumantes pelo método tradicional em caves subterrâneas com temperatura inferior a 19ºC; respeitar os tempos: cada uva, cada vinho, cada tipo exigem tempos que devem ser respeitados na procura da qualidade superior. Neste momento estão comercializando três vinhos: Chardonnay, Cabernet Sauvignon e Cabernet Sauvignon-Merlot e três espumantes elaborados pelo método tradicional: extra-brut (pas dose), brut e demi-sec (com 22 gramas de açúcar por litro, ou seja, moderadamente doce).
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VPT - O que o terroir da Campanha Gaúcha tem a oferecer?
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A Campanha, e em especial Bagé, oferece diversas condições que favorecem obter uvas maduras e sadias: solos areno-argilosos equilibrados, não muito ricos nem ácidos, que exigem moderado uso de calcário e nutrientes. A textura os torna suficientemente permeáveis para eliminar com rapidez os excessos de chuva evitando a erosão e lavagem; clima com um nível de chuvas quase idêntico à Serra, porém com um ciclo diferente, com menores quantidades na época final da maturação; geografia com moderados desníveis, ondulada, que facilita a mecanização total das tarefas culturais, permite a drenagem da água sem erosão e ventos leves e constantes que eliminam com maior rapidez a umidade. Com isso a uva sofre menos ataques de fungos, aumenta a sanidade e diminui o número de tratamentos; excelente amplitude térmica (em torno de 10ºC) com dias quentes e noites frescas, que facilita a formação de componentes da cor, fundamentais para as uvas tintas.
Essas condições contribuem para que a região da Campanha tenha melhores condições para produzir uvas tintas com alto teor de açúcares devido à boa maturação, boa carga de componentes da cor e excelente estado sanitário. Na colheita das uvas brancas destinadas a espumantes deve-se observar o equilíbrio entre açúcares e acidez porque os vinhos para espumantes devem ter moderado teor de álcool e boa acidez.
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VPT - Comete-se muitos erros no serviço do espumante. O que não se pode fazer? E o que é imprescindível para valorizar ao máximo o produto que é servido?
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No serviço de espumantes é importante sempre lembrar que o principal componente, o que o diferencia dos outros, é o gás carbônico. Os produtores fazem os maiores esforços para que seus produtos tenham uma boa quantidade de gás controlando temperaturas, maturando por longos períodos e redobrando os cuidados no remuage, degourgement, adição de licor de expedição e fechamento. Isto não deve ser jogado fora no momento do serviço. As etapas corretas no serviço do espumante são:
Esfriar em bande com gelo: num balde com muito gelo e algo de água, esfriar a garrafa durante pelo menos 45 minutos. Desta forma esfriaremos o líquido e não a rolha, que manterá sua elasticidade.
Retirar da cápsula e gaiola: para evitar a saída prematura da rolha retire a parte superior da cápsula para liberar a área de trabalho e afrouxe a gaiola, segurando com firmeza. Ao iniciar a retirada da rolha a gaiola deve vir junto.
Não despressurizar intempestivamente: o equilíbrio do gás carbônico dissolvido no vinho (que é o que vale) está dado pela pressão exercida sobre o líquido. Ou seja, numa garrafa fechada a pressão na câmara vazia (espaço entre a base da rolha e o nível superior do líquido) é idêntica a pressão do gás dissolvido. Por esta razão deve-se evitar "estourar a rolha". O correto é segurar a rolha de modo a sair de forma lenta. O som deve ser semelhante a um "respiro".
Servindo a taça: a taça, que deve ter o formato tulipa porque permite visualizar melhor o perlage, o tamanho da borbulha e a persistência da espuma, deve estar a temperatura ambiente. Não pode ser esfriada porque ficará embaçada impedindo o exame visual. Para evitar o choque de temperatura sirva uma pequena quantidade inclinando ligeiramente a taça e aguarde alguns segundos, após os quais se completa até aproximadamente 75% do volume. Desta forma teremos assegurado a presença total do gás na taça que ressaltará o movimento dado pelo perlage e transportará os aromas até a boca. É bom lembrar que a taça, contrariamente ao que se faz no vinho, não deve ser agitada para estimular o desprendimento dos aromas. O gás se encarrega disso.
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VPT - É possível iniciar e finalizar um jantar/almoço apenas com espumantes? Pode nos dar alguma dica valiosa?
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Não somente é possível como recomendado, desde que haja uma preparação da melhor harmonização. Para abrir um jantar ou almoço basta escolher um espumante seco, dos tipos nature (zero de açúcares), extra-brut ou brut e servir na temperatura correta (4-6º C). Ele cumprirá o sublime papel de tornar o ambiente mais festivo e abrir o apetite. Já para um jantar é necessário lembrar que o exagero é contrário da perfeição, por isso limitar o número de pratos e de espumantes.
Entrada: pratos frios como saladas (moderadamente temperadas) e carnes brancas são acompanhados perfeitamente com espumante nature ou brut, de preferência charmat, porque são mais frescos e ligeiros.
Primeiro prato: pratos à base de peixes, risotos ou massas são perfeitamente acompanhados por um espumante brut champenoise, mais maduro e complexo.
Prato principal: se for à base de carne vermelha o indicado é um brut rosé charmat ou champenoise, versátil e valente, onde a presença moderada de uvas tintas lhe outorga complexidade e amabilidade.
Sobremesa: neste final de jantar o recomendado é um espumante charmat moderadamente doce. Se for um Moscatel Espumante nacional, o teor de açúcares dificilmente é inferior a 80 g/litro e por isso é necessário que a sobremesa seja bem doce. Para sobremesas menos doces a recomendação é um demi-sec aromático com menor quantidade de açúcares.
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VPT - Recentemente, na Alemanha, alguns vinhos argentinos foram flagrados contendo fungicidas e antibióticos em sua composição. Qual o papel do conservante nos vinhos? Qual o limite para sua utilização?
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A legislação permite o uso moderado (em doses controladas rigorosamente pelo MARA) do conservante universal e sem o qual é impossível fazer vinhos potáveis, anidrido sulfuroso, e para os vinhos com açúcares o sorbato de potássio que tem como função evitar a proliferação de leveduras. O anidrido sulfuroso é usado em todos os vinhos do mundo e tem inúmeras funções que se iniciam já na elaboração. Quem trabalha com uvas sadias, em cantinas higiênicas e recipientes limpos não tem necessidade de exagerar. Os vinhos bem elaborados e bem conservados não precisam de conservantes, salvo o anidrido, porque ganham com o tempo e os cuidados a suficiente estabilidade para serem engarrafados e guardados durante longo tempo. O uso de conservantes proibidos deve ser denunciado e rigorosamente penalizado, porque trata-se de um delito. Evidentemente que no caso dos vinhos argentinos o uso de fungicidas e antibióticos pretende proteger vinhos elaborados sem os mínimos cuidados. O consumidor deve tomar cuidados com vinhos importados muito baratos. Lá como cá é impossível fazer milagres.
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VPT - Se você fosse presentear um amigo com um vinho brasileiro, capaz de representar nossa produção, qual seria esse vinho?
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Confesso que não bebo com a frequência que deveria os vinhos de meus colegas, mas fiquei surpreso com a qualidade do Merlot Terroir Miolo. Acho que é um excelente representante dos vinhos brasileiros.

3 comentários:

Fernando disse...

Parabéns, mais uma entrevista que enriqueceu muito seu blog. Muito interessante.

Só discordo um pouco com relação ao gosto do brasileiro por varietais. Acho que isso é em razão das opções de vinhos sulamericanos acessiveis e ao limitado poder de compra dos brasileiros (ou o alto valor do vinho por aqui), infelizmente

Abs, Fernando

Administrador disse...

Fernando, obrigado pela visita e pelo comentário.

Concordo com você em relação ao poder de compra dos brasileiros. Dia desses fui a um supermercado para comprar um vinho branco para minha esposa cozinhar. O vinho não tinha preço, então fui consultar num daqueles terminais de leitura do código de barras. Ao visualizar R$17, um senhor do meu lado falou: "puxado, hein?"

É o perfil da maioria esmagadora dos consumidores brasileiros, que fazem o seguinte cálculo: "com R$17 compro uma caixa de cerveja".

Mas estamos melhorando, estamos melhorando...

Saúde!

Anônimo disse...

Adolfo Lona é uma figura muito simpática. Certa vez o encontrei em Garibaldi e ele não se negou a conversar comigo e um grupo de amigos.
Infelizmente aqui no Rio tenho uma certa dificuldade de encontrar os vinhos dele.
Valeu!
Rodrigo Teixeira